sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Imbróglio

Todos os papéis estavam jogados em cima de uma pequena mesa, numa mistura fina de intelectualidade e desordem. Os dias passavam e a pilha continuava a crescer, como criança impaciente que faz acrobacias múltiplas na barriga da mãe, esperando o momento certo de principiar. Mas o parto das ideias parecia dolorido, se assemelhando a qualquer sacrifício que envolvia tortura física e psicológica. Não que houvesse realmente motivos para tanto flagelo, era apenas uma forma de assegurar que aquele pequeno corpo ainda portava uma alma, ou qualquer elemento que comprovasse a sua humanidade. A rapidez com que a vida passava, somada a tanta obrigação - daquelas bem artificiais, que só acrescentam mais papéis e insônia à vida - parecia transformar todas as ações orgânicas em funções de uma máquina. Até a respiração parecia carregar consigo um saco de chumbo. Que dirá os sentimentos responsáveis pelas coisas bonitas. Esses permaneciam guardados, separados do resto, como quando se separa a cobertura de chocolate e a deixa para o final, na espera de que a sensação doce permaneça por mais tempo.

[continua]

domingo, 19 de setembro de 2010

É um sem-fim de poesias diárias. Um abrir constante dos guarda-roupas empoeirados, e uma saudade latente de como tudo poderia ter sido.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Organizar

É chegado o momento em que eu preciso me organizar, e rapidamente. Uma lista com todos os afazeres pregada na minha porta já seria um bom começo. Nunca me dei muito bem com datas e prazos a serem cumpridos, o que acaba me rendendo algumas madrugadas elaborando trabalhos e relatórios. Talvez a minha paixão por café venha daí. E, pensando bem, acho que estabeleci uma relação de dependência com o líquido sagrado, apesar de que eu gosto do sabor, do cheiro, da temperatura, e do gozo que aquele café forte e doce proporciona. Mas talvez todas as paixões humanas possuem uma pitada de cafeína: você gosta de todas as sensações que o "objeto" te proporciona, mas precisa admitir que já ficou dependente do mesmo. 
Aliás, eu comecei falando sobre organização, certo? É, não me dê muita corda, eu sempre acabo tecendo redes imensas com ela. Pois bem, o semestre promete ser pesado e dolorido, mas eu não ando cabisbaixa por isso, pelo contrário. O tédio consome as minhas entranhas, caso não esteja com a agenda lotada. Tudo bem que eu viro um zumbi caminhando sobre o universo onírico, mas durmo as minhas duas horas diárias com uma boa sensação de dever cumprido. Vai entender, né?! Mas nem eu mesma perco tempo fazendo isso, tentando entender as minhas próprias loucuras. E, afinal, já deixei de lado as tentativas frustradas de captar o linguajar nonsense da literatura da vida há muito tempo. Tenho quase certeza de que fomos colocados aqui somente pra sentir, sentir e sentir. Não sou muito boa com a arte dos sentimentos, mas venho aprendendo um pouco mais sobre essa "cerejinha" da vida, ainda que gradativamente. As aulas de teatro desse semestre estão sendo bem puxadas, pelo simples motivo de que a Angela não pode racionalizar o texto de Shakespeare, ela precisa sentí-lo e expressá-lo. Meu Deus do céu, transforma-me em vísceras o mais rápido possível! Mas esse processo de desconstrução, pela arte, da minha carapaça dura e fria, que tenta - por A mais B - transformar em conceitos práticos tudo o que vê pela frente está sendo muito bom. Até voltei a ter sonhos bizarros, que até Salvador Dalí teria vontade de traduzí-los em imagens (como ela é pretensiosa)!
Estão vendo como não sei ser organizada? A minha cabeça funciona com um turbilhão de idéias jorrando e inundando os meus pensamentos, só que eu peno pra sistematizar todas elas de forma coerente. Acho que dá pra perceber. E olha que eu me policio muito na escrita. Sempre me pego resmungando: "Não, isso aí é muito absurdo, as pessoas ainda se assustam com seres como você, Angela!" É, acho que eu sou um ser qualquer, mas não humano. Mesmo porque, eu acho muito chato viver uma vida humana nos nossos moldes, modelos, tendências, padrões e etc. Eu queria mesmo, do fundo do meu coração, ir morar no alto de uma montanha, onde eu pudesse usar os meus moletons velhos, as meias coloridas com chinelos e o cabelo amarrado. Me cansa muito essa coisa de ter que ser socialmente aceita. Ó, Deus, que criaturas infames e mesquinhas foram postas no mundo! É, eu também tô sendo mesquinha e chata dizendo todas essas coisas, admito.
Mas é, hoje é sexta-feira 13. Será que isso significa alguma coisa? O dia até amanheceu nublado e friozinho, pra minha alegria! Tá, eu tiro a parte do nublado, e fico só com o friozinho. Nada como um dia azul, ensolarado e muito frio. Mas hoje está pedindo uma sessão filminho de terror (eu atóron filmes de terror). E isso me faz lembrar da minha infância. Eu e meu irmão adorávamos assistir filmes como O brinquedo assassinho e A hora do pesadelo, mas sempre brigávamos pra ver quem seria o último a deitar e apagar a luz. Eu sempre imaginava o Freddy Krueger e seu suéter listrado na minha janela, era bizarro.
Esse semestre eu fiquei responsável por pesquisar as músicas do período renascentista pra montagem de Macbeth e Hamlet, e pergunta se eu fiquei feliz? Sim, sim! Estou tendo êxtases musicais escutando Vivaldi. Aliás, é uma boa pedida pruma sexta-feira 13 nublada e fria, só adicionaria umas almofadas, uma bebida quente qualquer e um abraço apertado.
Termino esse texto com uma importante retomada: eu preciso muito me organizar, muito mesmo. Vou ter que me afastar um pouco do mundinho virtual, caso contrário não darei conta de tantos afazeres. É isso, obrigada por me ouvir, blog do meu coração!
Uma ótima sexta-feira à todos, sempre.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

"E uma compulsão horrível de quebrar imediatamente qualquer relação bonita que mal comece a acontecer. Destruir antes que cresça. Com requintes, com sofreguidão, com textos que me vêm prontos e faces que se sobrepõem às outras. Para que não me firam, minto. E tomo a providência cuidadosa de eu mesmo me ferir, sem prestar atenção se estou ferindo o outro também. Não queria fazer mal a você. Não queria que você chorasse. Não queria cobrar absolutamente nada. Por que o Zen de repente escapa e se transforma em Sem? Sem que se consiga controlar".

[Caio Fernando Abreu]




 

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Sinestesia

Você já sentiu o sabor das cores? Ou, por alguns instantes, teve a certeza de que tocou seus sonhos? Sim, algo como sentir o sabor do silêncio e caminhar sobre as horas. Alguns estudos científicos defendem que a sinestesia não passa de uma discrepância cerebral, no qual os sistemas sensoriais se interconectam, fazendo com que o sinestésico, por  muitas vezes, sinta o gosto de palavras e veja cores ao ouvir um som.
Imaginem a incrível sensação de ver as cores das letras, os sons do amanhecer, os cheiros dos sentimentos, o sabor de uma palavra. Os textos do Bobbio seriam multicoloridos; o Sol, ao nascer, teria o som de uma orquestra; O amor teria cheiro de chocolate e a palavra amizade, gosto de salada de frutas. A vida seria tão mais divertida, teria sentidos diferentes, vários sabores e uma diversidade imensa de significações.
Para mim, o sentido da vida teria o sabor de um abraço. No entanto, para outros, teria cheiro de dinheiro. Ou, talvez, teria o som de poder enxergar, o sabor de poder tocar...
Porém, quantas vezes os nossos caminhos não possuem norte ou sul, os nossos cheiros não possuem nome e os nossos sons, notas.
A vida é sinestésica, dona de coloridos diversos para todos os seus significados. Bom seria poder enxergar as cores de todos eles.



Essa postagem é antiga. Dei uma repaginada em alguns erros e fiz a migração do blog coletivo para este aqui. É bom entrar em contato com pensamentos e idéias antigas, talvez seja por isso que eu cultivo um blog: você está em constante auto-análise.

Literalmente

Todo mundo já ouviu a expressão "o cão chupando manga", certo?! Então, eu quis provar que eles não ficam nenhum pouco repugnantes, muito pêlo ao contrário! Portanto, quando você acordar com o cabelo em pé, os olhos grudados e um pijama da moranguinho curto e furado e alguém disser: "hoje você tá o cão chupando manga!" sinta-se lisongeada/o (não sei quantos homens usam pijamas da moranguinho o_O).

É, eu sei...Só fiz isso porque o blog estava jogado às traças (expressões idosas causam aquela velha sensação de...é, isso mesmo, saudade do que não vivi e nunca viverei).

Well, well...por hoje é só! Prometo que a próxima postagem será melhor, eu espero!

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Ela gostava de olhar para o céu, sentir a luz do Sol tocar seus cabelos e o vento frio acariciar seu rosto. Andava com fragmentos de plenitude reluzindo por toda parte. Era como um universo em expansão, exalando completude por onde passava. 
Alguns dizem que, certa vez, a morte veio visitá-la. Não foi de repente, como num lápso qualquer, mas consumiu, pouco a pouco, todos os feixes de luz que delam saiam. Primeiro calou sua voz, seu olhar, seus gestos e, pouco a pouco, silenciou a liberdade que a tornava encantadora. Talvez fosse melhor, naquela ocasião, ter levado seu corpo - que mesmo em vida já está em crescente processo de putrefação -  e poupado a alma. Mas não, aprisionou-a dentro de sua própria limitação, de seu medo e insegurança, vitimando-a pouco a pouco. 
Os poetas insistem em chamar tal estado de amor, eu o chamo morte!

terça-feira, 25 de maio de 2010

Cães

"Um cão não precisa de carros modernos, palacetes ou roupas de grife. Símbolos de status não significam nada para ele. Um pedaço de madeira encontrado na praia serve. Um cão não julga os outros por sua cor, credo ou classe, mas por quem são por dentro. Um cão não se importa se você é rico ou pobre, educado ou analfabeto, inteligente ou burro. Se você lhe der seu coração, ele lhe dará o dele. É realmente muito simples, mas, mesmo assim, nós humanos, tão mais sábios e sofisticados, sempre tivemos problemas para descobrir o que realmente importa ou não…"
— John Grogan

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Ventos frios

Nada como o início das manhãs frias. Eu, particularmente, sou apaixonada pelo cheiro de romance e café que o inverno traz nos ombros de seus ventos cortantes. O Sol adquire um dourado peculiar, principalmente ao nascer. Dá vontade de sentir o gosto de tanto esplendor traduzido em cores, em múltiplas cores. Sem contar, é claro, a delicadeza do encontro entre a respiração quente e o ar frio. Afinal, não há nada mais sutil e divertido do que soltar "fumacinha" aos quatro ventos. E nada mais revigorante do que um café bem quente no fim da tarde. Pode ser um chocolate quente, ou até mesmo um capuccino. O conteúdo não importa muito, é interessante que esteja quente; aliás, bem quente. Assim como os abraços forrados por felpúdas blusas de lã, ou mesmo algodão bem macio. Que combinam perfeitamente com romances apelativos e pipoca, não?! Enfim, vim aqui prá dizer o quanto eu gosto das manhãs, das tardes e das noites frias. Salvo os momentos em que preciso acordar e tomar banho.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Cobradores

Hoje foi um dia como outro qualquer. Acordei cedo, tomei meu banho quente e aconchegante, me troquei e fui direto ao ponto ônibus. Não, eu não gosto muito de tomar café da manhã, meu estômago sempre acorda de mau humor, sabe?! Como de costume, entrei no ônibus e fiquei alienada a tudo que se passava em seu interior. Só observei a cara feia do cobrador e um garotinho que, num ato de muita cordialidade, pegou uma moedinha de 25 centavos que eu deixei cair no chão. Eu agradeci, com um leve sorriso, e ele me retribuiu de forma singela e alegre. Típica carinha de criança quando se sente útil ao fazer uma boa ação. Aquele ato iluminou o meu dia, por mais cotidiano que tenha sido. 
Chegando ao terminal rodoviário, desci do ônibus e subi ao pavimento onde pego outro que me leva à universidade. Até aí tudo bem, nada demais. Entrei na linha 305 e sentei logo à frente, num banco individual, onde eu pudesse abstrair a vontade. No entanto, um homem de fisionomia comum entrou e sentou do outro lado, logo atrás de uma senhora e seu filho. Conversa vai, conversa vem, a senhora começou fazer uma crítica ferrenha à extinção dos cobradores, fato que me chamou muito atenção. Ela falava para um senhor de idade (aliás, de muita idade) sobre a importância dos cobradores;não simplesmente pela questão empregatícia, mas atentava para a importância social daqueles homens que, muitas vezes, estabelem vínculos com os passageiros. Seja por um simples sorriso acompanhado de um "bom dia", ou pelas estórias compartilhadas, as opiniões sobre a vida, os conselhos mútuos e as diversas piadas que alegram o momento que precede a atividade de estudantes, trabalhadores, crianças e donas de casas.
O corte dos cargos dessa categoria não traz apenas a diminuição de oportunidades e o consequente desemprego para vários trabalhadores, mas apresenta também um corte nas relações humanas, nas trocas culturais, na própria linguagem cotidiana, enfim, na comunicação entre as pessoas de diferentes lugares, etnias e histórias de vida.
Numa época em que o toque, a sensibilidade, a comunicação e o diálogo estão em processo de extinção, é válida a reflexão sobre a importância social e cultural de pessoas que, muito mais do que simples trabalhadores de um cargo qualquer, acabam por manter viva a semente de humanidade que existe na simplicidade.





segunda-feira, 29 de março de 2010

Machado de Assis

Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirta que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência; e o melhor da obrigação é quando, a força de embaçar os outros, embaça-se um homem a si mesmo, porque em tal caso poupa-se o vexame, que é uma sensação penosa e a hipocrisia, que é um vício hediondo. Mas, na morte, que diferença! que desabafo! que liberdade! Como a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lentejoulas, despregar-se, despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser! Porque, em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem estranhos; não há platéia. O olhar da opinião, esse olhar agudo e judicial, perde a virtude, logo que pisamos o território da morte; não digo que ele se não estenda para cá, e nos não examine e julgue; mas a nós é que não se nos dá do exame nem do julgamento. Senhores vivos, não há nada tão incomensurável como o desdém dos finados.
[Memórias póstumas de Brás Cubas]

Acho esse trecho perfeito!

Fab Four

Em 1960 surgia o Fab Four - mais conhecido como The Beatles - , dando início à uma revolução, não só na música, mas em toda a estrutura moral de uma sociedade extremamente puritana. O estilo inicial: terninho e cabelos a lá pinico da vovó demonstram como a indústria fonográfica apresentou os jovens britânicos à mídia. Comportados e com músicas regadas a romantismo e muito 'yé yé yé' o Quarteto Fantástico conquistou, não só a Inglaterra e os países europeus, mas toda a América. 
Conforme os anos foram passando, as transformações sociais e políticas acabaram moldando o estilo do quarteto. Os cabelos e a barba cresceram e os terninhos ficaram no guarda-roupas. As músicas passaram do yé yé romântico para dar lugar aos sons psicodélicos com toques de música clássica. Os queridinhos da América eram agora rapazes com discursos místicos e apolíticos., fato que não agradava muito as instituições familiares e religiosas. Todavia, continuaram a causar frisson e a disseminar suas influências por todo o mundo.
Ainda hoje - apesar da perversão musical - a Beatlemania continua viva entre jovens de zero a cem anos, embalando cenas cotidianas e deixando aquela pitada de nostalgia, que, pelo menos prá mim, causa a clássica sensação de "tenho saudade do que eu não vivi".

quinta-feira, 25 de março de 2010

Ainda que cabeças rolassem, nada mudaria.

Tudo que se tinha daquela vida era a simplicidade dos sorrisos matinais, o brilho da adolescência nos olhos e uma pitada de irreverência em atitudes que, na época, mudariam a mundo. Todas as verdades e respostas sobre  as questões universais estavam alí, logo à frente. A TV, as revistas e todos os veículos midáticos davam o respaldo necessário, caso alguma questão angustiante surgisse e abalasse as pilastras que sustentavam as convicções, preconceitos e tradições daquela geração. A família, enquanto instituição importante, tinha o papel de ensinar a moral e os bons costumes, incluindo também os ensinamentos sobre como não raciocinar. No fim de semana, quem assumia o papel de moderadora e controladora da ordem eram as Igrejas, pois nada melhor do que o medo de uma possível visita ao "inferno" para ceifar a liberdade daquela geração. Os pais, junto a instituição religiosa, pregavam como era importante viver uma vida cristã, mas não sabiam sequer o significado real de Cristo. Ensinavam as orações e a importância de ir às celebrações aos domingos, mas nada retratavam sobre o amor e o respeito ao próximo. Propagavam aos sete cantos de suas casas os ensinamentos bíblicos, mas não se ouvia nenhum grito de repúdia contra a miséria humana - afinal, os miseráveis assumem tal condição por pura vagabundagem, não é? -. Nenhum sussurro sobre preconceito, muito menos sobre o respeito às diferenças. No entanto, se alguma alma "perdida" tivesse a ousadia de abalar tais estruturas, era brutalmente desmoralizada. Diante de um aparato tão coercitivo e impregnado na consciência coletiva, cabia apenas o silêncio e a angústia de ter a certeza - ao menos naquele momento - de que nada mudaria, ainda que cabeças rolassem.

Passageira de algum trem

"Será que, à medida que você vai vivendo, andando, viajando, vai ficando cada vez mais estrangeiro? Deve haver um porto."
[Caio F. Abreu]



Será que algum dia, depois de anos andando pela estrada do conhecimento e das vísceras sociais, você acaba por encontrar um porto?