sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Imbróglio

Todos os papéis estavam jogados em cima de uma pequena mesa, numa mistura fina de intelectualidade e desordem. Os dias passavam e a pilha continuava a crescer, como criança impaciente que faz acrobacias múltiplas na barriga da mãe, esperando o momento certo de principiar. Mas o parto das ideias parecia dolorido, se assemelhando a qualquer sacrifício que envolvia tortura física e psicológica. Não que houvesse realmente motivos para tanto flagelo, era apenas uma forma de assegurar que aquele pequeno corpo ainda portava uma alma, ou qualquer elemento que comprovasse a sua humanidade. A rapidez com que a vida passava, somada a tanta obrigação - daquelas bem artificiais, que só acrescentam mais papéis e insônia à vida - parecia transformar todas as ações orgânicas em funções de uma máquina. Até a respiração parecia carregar consigo um saco de chumbo. Que dirá os sentimentos responsáveis pelas coisas bonitas. Esses permaneciam guardados, separados do resto, como quando se separa a cobertura de chocolate e a deixa para o final, na espera de que a sensação doce permaneça por mais tempo.

[continua]

3 comentários:

Pedro Cestari disse...

Te ver escrever assim me dá um misto de orgulho e admiração, com uma pontinha de inveja, talvez. Só posso dizer que não há nada a ser corrigido ou melhorado. Trocando em miúdos, lindo texto =]
Sem mais.

M. L. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
M. L. disse...

A sensação de agir como uma máquina nos parece muito concreta, junto a esta,vem à tona, a vontade de exprimir os reais sentimentos, a subjetividade, mas o tempo se faz escasso e há tantos afazeres o ocupando.
(Já passei e passo por isso)