segunda-feira, 29 de março de 2010

Machado de Assis

Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirta que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência; e o melhor da obrigação é quando, a força de embaçar os outros, embaça-se um homem a si mesmo, porque em tal caso poupa-se o vexame, que é uma sensação penosa e a hipocrisia, que é um vício hediondo. Mas, na morte, que diferença! que desabafo! que liberdade! Como a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lentejoulas, despregar-se, despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser! Porque, em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem estranhos; não há platéia. O olhar da opinião, esse olhar agudo e judicial, perde a virtude, logo que pisamos o território da morte; não digo que ele se não estenda para cá, e nos não examine e julgue; mas a nós é que não se nos dá do exame nem do julgamento. Senhores vivos, não há nada tão incomensurável como o desdém dos finados.
[Memórias póstumas de Brás Cubas]

Acho esse trecho perfeito!

Fab Four

Em 1960 surgia o Fab Four - mais conhecido como The Beatles - , dando início à uma revolução, não só na música, mas em toda a estrutura moral de uma sociedade extremamente puritana. O estilo inicial: terninho e cabelos a lá pinico da vovó demonstram como a indústria fonográfica apresentou os jovens britânicos à mídia. Comportados e com músicas regadas a romantismo e muito 'yé yé yé' o Quarteto Fantástico conquistou, não só a Inglaterra e os países europeus, mas toda a América. 
Conforme os anos foram passando, as transformações sociais e políticas acabaram moldando o estilo do quarteto. Os cabelos e a barba cresceram e os terninhos ficaram no guarda-roupas. As músicas passaram do yé yé romântico para dar lugar aos sons psicodélicos com toques de música clássica. Os queridinhos da América eram agora rapazes com discursos místicos e apolíticos., fato que não agradava muito as instituições familiares e religiosas. Todavia, continuaram a causar frisson e a disseminar suas influências por todo o mundo.
Ainda hoje - apesar da perversão musical - a Beatlemania continua viva entre jovens de zero a cem anos, embalando cenas cotidianas e deixando aquela pitada de nostalgia, que, pelo menos prá mim, causa a clássica sensação de "tenho saudade do que eu não vivi".

quinta-feira, 25 de março de 2010

Ainda que cabeças rolassem, nada mudaria.

Tudo que se tinha daquela vida era a simplicidade dos sorrisos matinais, o brilho da adolescência nos olhos e uma pitada de irreverência em atitudes que, na época, mudariam a mundo. Todas as verdades e respostas sobre  as questões universais estavam alí, logo à frente. A TV, as revistas e todos os veículos midáticos davam o respaldo necessário, caso alguma questão angustiante surgisse e abalasse as pilastras que sustentavam as convicções, preconceitos e tradições daquela geração. A família, enquanto instituição importante, tinha o papel de ensinar a moral e os bons costumes, incluindo também os ensinamentos sobre como não raciocinar. No fim de semana, quem assumia o papel de moderadora e controladora da ordem eram as Igrejas, pois nada melhor do que o medo de uma possível visita ao "inferno" para ceifar a liberdade daquela geração. Os pais, junto a instituição religiosa, pregavam como era importante viver uma vida cristã, mas não sabiam sequer o significado real de Cristo. Ensinavam as orações e a importância de ir às celebrações aos domingos, mas nada retratavam sobre o amor e o respeito ao próximo. Propagavam aos sete cantos de suas casas os ensinamentos bíblicos, mas não se ouvia nenhum grito de repúdia contra a miséria humana - afinal, os miseráveis assumem tal condição por pura vagabundagem, não é? -. Nenhum sussurro sobre preconceito, muito menos sobre o respeito às diferenças. No entanto, se alguma alma "perdida" tivesse a ousadia de abalar tais estruturas, era brutalmente desmoralizada. Diante de um aparato tão coercitivo e impregnado na consciência coletiva, cabia apenas o silêncio e a angústia de ter a certeza - ao menos naquele momento - de que nada mudaria, ainda que cabeças rolassem.

Passageira de algum trem

"Será que, à medida que você vai vivendo, andando, viajando, vai ficando cada vez mais estrangeiro? Deve haver um porto."
[Caio F. Abreu]



Será que algum dia, depois de anos andando pela estrada do conhecimento e das vísceras sociais, você acaba por encontrar um porto?